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O deslocamento do crime e a difusão de benefícios - o que nos diz a evidência?

  • Foto do escritor: CrimiThink
    CrimiThink
  • 4 de mai. de 2020
  • 8 min de leitura

Tal como visto em publicação anterior, a principal critica teórica contra as formas de redução de oportunidade na Prevenção Situacional do Crime, é a de que os ofensores quando não conseguem cometer um crime mudam a atenção para outro alvo ou localização, cometendo crimes noutra altura, mudando os métodos ou até mudando para outra forma de crime, num fenómeno designado por deslocamento do crime (Clarke & Weisburd, 1994).


Mas será que este deslocamento se verifica na prática?


Neste post, para além de abordarmos a ideia de deslocamento, iremos também abordar o conceito de difusão de benefícios dando a conhecer um pouco sobre o que isto significa e quais as suas implicações no crime. Por fim, analisaremos aquilo que a evidência nos diz sobre estes fenómenos.

Segundo Reppetto (1976), o deslocamento pode assumir 5 formas:


  • Temporal – o ofensor comete o crime numa altura diferente;

  • Tático – o ofensor comete o crime recorrendo a métodos diferentes;

  • Alvo – o ofensor muda de alvo;

  • Territorial – o ofensor comete o crime noutro local;

  • Funcional – o ofensor opta por cometer outro tipo de crime.


Normalmente o deslocamento do crime é visto como uma consequência negativa dos esforços de prevenção do crime, sendo considerado maligno quando as consequências são mais prejudiciais que a intervenção. Estas consequências podem resultar num aumento do volume do crime nas áreas adjacentes, numa mudança para tipos de crimes mais graves, numa concentração do número de crimes para um menor número de vítimas, numa mudança para locais onde o crime tem maior impacto na comunidade, entre outros aspetos (Guerette, 2016). No entanto, o deslocamento pode também oferecer um certo benefício, sendo designado por benigno nos casos em que haja uma mudança para crimes menos graves, uma mudança para um crime com um menor impacto para a comunidade ou quando haja uma desistência em cometer o crime (Guerette, 2016).


Segundo Guerette (2016), a ocorrência do deslocamento é em grande parte determinada por três fatores que interagem entre si:


  • a motivação do ofensor;

  • a sua familiaridade com outros alvos, técnicas, locais, etc.;

  • a oportunidade para cometer o crime.


Quer isto dizer que estes fatores não devem ser tidos em conta individualmente, mas sim na medida em que a motivação de um ofensor para cometer um crime vai ser influenciada pela sua familiaridade e a existência de oportunidades para o cometimento de tal ato.



O que é a difusão de benefícios?


Tal como as medidas de prevenção situacional podem ter custos não intencionais, como é o caso do deslocamento do crime, também podem ocorrer benefícios inesperados dessas medidas. A isso chamamos de difusão de benefícios, o que corresponde ao crescimento da influência benéfica de uma intervenção para além dos locais que estão diretamente visados, dos indivíduos que são objeto de controlo, dos crimes que são foco de intervenção ou dos períodos temporais em que uma intervenção tem lugar. Desta forma, se o processo que leva à difusão for identificado, os programas de prevenção do crime poderão ser claramente definidos e, assim, alcançar o maior sucesso possível (Clarke & Weisburd, 1994).


A difusão de benefícios pode então ocorrer de várias formas (Guerette, 2016):


  • a difusão espacial e de alvo ocorrem quando áreas ou alvos próximos à zona de intervenção também sofrem uma redução no crime (ex.: quando uma intervenção especificamente orientada para a baixa do Porto acaba por ter efeitos na zona Ribeira);

  • a difusão temporal acontece quando outros períodos temporais sofrem uma redução no crime, mesmo que a intervenção não tenha sido aplicada durante esses períodos temporais (ex.: quando um maior policiamento de uma área durante um período inicial de 3 meses tem efeitos na redução do crime para além desse tempo);

  • a difusão do tipo de crime ocorre quando outros tipos de crime são evitados, mesmo que não tenham sido alvo da intervenção (ex.: quando uma intervenção destinada a reduzir o crime de tráfico de droga acaba por também reduzir os crimes de furto).


Do ponto de vista teórico é inteiramente possível que as intervenções para reduzir a criminalidade possam levar simultaneamente a uma difusão de benefícios e ao deslocamento. Por exemplo, como resultado de uma intervenção com vista à redução de assaltos a determinadas casas, os ofensores podem evitar esses assaltos para além da área geográfica daquelas casas que realmente foram alvo da intervenção. No entanto, podem descobrir que as oportunidades para o furto de veículos nessa mesma área representam uma boa alternativa (Johnson et al., 2014). Esta complexidade significa que não é simples medir as consequências não intencionais da intervenção, no entanto, isso não deve constituir impedimento para o fazer.



Evidência empírica – o que nos dizem os estudos?


De entre os estudos realizados para avaliar o deslocamento do crime, são utilizadas 2 estratégias de controlo do crime. A primeira são as já faladas medidas de prevenção situacional do crime. A segunda são as intervenções policiais geográficas, que se centram no uso estratégico de unidades policiais em locais conhecidos pela prática de crimes, aumentando assim a visibilidade e atividade das forças policiais. Neste tipo de estratégia podem ser utilizados diversos modelos de policiamento, que serão abordados oportunamente noutra publicação.


Na década de 90 foram realizadas 3 importantes revisões que procuraram tirar conclusões quanto à existência de deslocamento do crime.


  • Barr e Pease (1990) ao analisarem estudos que utilizaram os dois tipos de estratégias de controlo do crime concluíram que, mesmo nos casos em que o deslocamento ocorria, a redistribuição do crime alcançava um benefício social desejável;

  • Eck (1993) analisou 33 estudos que apenas utilizaram medidas de prevenção situacional concluindo que 91% encontraram pouco ou nenhum deslocamento (por exemplo, deslocamento menor que o benefício do tratamento) e apenas 9% relataram uma quantidade substancial de deslocamento;

  • Hesseling (1994) ao analisar estudos que apenas utilizaram medidas de prevenção situacional constatou que 40% dos 55 estudos não relataram deslocamento e que 6 relataram difusão de benefícios. Os resultados de cada uma destas revisões foram amplamente consistentes ao constatar que o deslocamento muitas vezes não era observado e, nos casos em que era, tendia a ser menor do que os benefícios alcançados pela intervenção.


Apesar das descobertas, estas primeiras revisões sobre o deslocamento apresentavam limitações, como o facto de serem baseados num pequeno número de estudos disponíveis, utilizarem métodos descritivos e fornecerem estatísticas resumidas sobre se os autores dos estudos encontraram deslocamento ou difusão, sem verificação da validade, e pelo facto dos métodos estatísticos disponíveis no momento de elaboração dos estudos não serem totalmente fiáveis na medição do deslocamento.


Já mais tarde, superando algumas das limitações existentes, Guerette e Bowers (2009) analisaram 102 estudos que aplicaram medidas de prevenção situacional de modo a verificar a existência de deslocamento do crime. Dessa análise, foi observado o deslocamento do crime em 26% dos estudos e difusão de benefícios em 27%. Para além disso, foi realizada uma análise mais detalhada sobre os efeitos do deslocamento e difusão de benefícios espaciais numa subamostra de 13 estudos onde tenha sido utilizado um desenho de investigação com pelo menos três áreas: a que recebe o tratamento, a de captação, ou seja, aquela para onde o crime pode vir a ser deslocado ou difundido, e a de controlo, que serve de comparação à área de tratamento. Apesar de um número reduzido de estudos avaliados, os resultados mostraram que quando o deslocamento espacial ocorria, este tendia a ser menor do que o efeito do tratamento, sugerindo que a intervenção era benéfica.


No geral, as descobertas desta revisão fornecem suporte para a visão de que o crime não se desloca simplesmente após as intervenções situacionais. Em vez disso, o deslocamento do crime parece ser a exceção e não a regra, sendo que às vezes é mais provável que ocorra a difusão de benefícios. Os resultados também indicam que, quando o deslocamento ocorre, em média, tende a ser menor do que os benefícios alcançados pela intervenção situacional, o que significa que as iniciativas de prevenção situacional compensam.


No entanto, estes resultados devem ser interpretados com cautela, uma vez que a maioria dos estudos era quasi-experimental. Deste modo, não é possível determinar com elevada precisão se as mudanças de crime observadas nas áreas de controlo foram resultado da intervenção (e, portanto, um efeito de deslocamento ou difusão).


Dois anos depois, Bowers et al. (2011) reviram os resultados de 44 estudos que utilizaram intervenções policiais geográficas para avaliar a existência de deslocamento espacial. A maioria desses estudos utilizou estatísticas descritivas que comparavam a criminalidade antes e após a intervenção em, pelo menos, uma área de tratamento, uma área de controlo e uma área de captação que cercava a área de tratamento. Dos 44 estudos incluídos, em 17 houve evidência de ocorrer deslocamentos do crime (8 dos quais deslocamentos benignos), em 25 não houve deslocamento e 2 demonstraram um deslocamento inconclusivo. Quanto à difusão de benefícios, em 19 estudos foi possível constatar a sua existência, sendo que apenas em 2 estudos se chegou à conclusão de não haver difusão, não tendo havido referência à difusão de benefícios em 23 estudos (ou seja, não foi medida). A conclusão a que se chega é de que as mudanças na criminalidade nas áreas de captação, ou seja, aquelas áreas onde potencialmente o crime será deslocado, não eram significativas, no entanto houve uma ligeira tendência a favor da difusão de benefícios.


Deslocamento do crime – uma consequência inevitável?


Em suma, as revisões indicam uma clara tendência positiva, uma vez que em todas elas o deslocamento está longe de ser um desfecho inevitável das estratégias de prevenção situacional do crime e das intervenções policiais geográficas, sendo tão provável a sua ocorrência como a ocorrência da difusão de benefícios.


No entanto, estes resultados não devem ser tomados como uma quantificação exata do deslocamento do crime. Existe uma grande complexidade inerente à medição completa do deslocamento do crime, podendo haver momentos em que o deslocamento é simplesmente indetetável. Este é o caso de situações em que os ofensores mudam para crimes mais difíceis de detetar (como fraudes na Internet) ou para crimes com uma taxa de denúncia muito baixa (como furtos em lojas). Por esse motivo, os resultados das diversas investigações podem subestimar a verdadeira extensão dos efeitos do deslocamento (Guerrete, 2016). Desta forma, não se torna tão necessário perceber se o deslocamento é ou não um desfecho inevitável, mas sim perceber em que condições e para que tipos de intervenção o deslocamento é mais provável de ocorrer e quando é possível aumentar o impacto de uma intervenção fazendo com que haja difusão de benefícios (Johnson et al., 2012). Só assim será possível ter uma completa noção do fenómeno do deslocamento e formular políticas que levem à prevenção do crime.



Referências Bibliográficas:

  • Barr, R., & Pease, K. (1990). Crime placement, displacement, and deflection. Crime and justice, 12, 277-318.

  • Bowers, K. J., Johnson, S. D., Guerette, R. T., Summers, L., & Poynton, S. (2011). Spatial displacement and diffusion of benefits among geographically focused policing initiatives: a meta-analytical review. Journal of Experimental Criminology, 7(4), 347-374.

  • Clarke, R. V., & Weisburd, D. (1994). Diffusion of crime control benefits: Observations on the reverse of displacement. Crime prevention studies, 2, 165-184.

  • Eck, J. E. (1993, September). The threat of crime displacement. In Criminal Justice Abstracts (Vol. 25, No. 3, pp. 527-546).

  • Guerette, R. (2016). Analyzing crime displacement and diffusion.

  • Guerette, R. T., & Bowers, K. J. (2009). Assessing the extent of crime displacement and diffusion of benefits: A review of situational crime prevention evaluations. Criminology, 47(4), 1331-1368.

  • Hesseling, R. (1994). Displacement: A review of the empirical literature. Crime prevention studies, 3(1), 97-230.

  • Johnson, S. D., Guerette, R. T., & Bowers, K. J. (2012). Crime displacement and diffusion of benefits. The Oxford handbook of crime prevention, 337-353.

  • Johnson, S. D., Guerette, R. T., & Bowers, K. (2014). Crime displacement: what we know, what we don’t know, and what it means for crime reduction. Journal of Experimental Criminology, 10(4), 549-571.

  • Reppetto, T. A. (1976). Crime prevention and the displacement phenomenon. Crime & Delinquency, 22(2), 166-177



 
 
 

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