Programas "scared-straight": valerá a pena o susto?
- CrimiThink
- 17 de jan. de 2021
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Os programas "scared-straight" fazem parte de um leque mais vasto de programas de consciencialização direcionados a delinquentes juvenis ou em risco, que têm como objetivo afastar os jovens do crime através de uma estratégia baseada na dissuasão provocada pelo medo.
A componente mais popular destes programas passa por organizar visitas dos jovens aos estabelecimentos prisionais, colocando-os em interação direta com os reclusos. Aos reclusos cabe-lhes a tarefa de assustar os jovens para os perigos da prisão, chamando a sua atenção para o facto de que, caso não ajuste o seu comportamento às normas da sociedade, também acabará na prisão.
Alguns destes programas utilizam uma estratégia claramente confrontacional, expondo diretamente os jovens ao quotidiano prisional e aos reclusos, colocando-os em celas, expondo-os às histórias mais violentas vividas na prisão, enquanto outros, nomeadamente os mais recentes, adotam uma estratégia mais educacional, sendo que reclusos adotam uma retórica politicamente mais correta, explicando os erros cometidos durante a sua vida que acabaram por resultar na sua prisão e chamando a atenção dos jovens para o facto do seu futuro também poder passar pela prisão.
Mas como e quando surgiram estes programas? E como se tornaram tão populares?

Estes programas começaram por ser implementados nos anos 70 na prisão de Rahway, em Nova Jérsia, nos EUA, onde reclusos que se encontravam a cumprir penas de prisão perpétua apresentavam a jovens delinquentes as mais terríveis histórias vividas na prisão, contadas de uma forma bastante expressiva, agressiva e até, por vezes, exagerada.

Em 1978 estes programas acabaram por dar material de documentário, de seu nome "Scared Straight", o que por sua vez os passou a denominar. A conquista de um Óscar, a enorme difusão pelos media e o aparente sucesso da intervenção fizeram com que estes programas passassem a ser replicados em vários estados do país. Os realizadores orgulhavam-se de a taxa de sucesso dos programas se encontrar entre os 80% e os 90% (Finckenauer, 1982), ignorando por completo o facto de os seus resultados se basearam em evidência anedótica.
Ao poder político isto era algo que também lhes era alheio, a interpretação simplista do crime permitia que se tirasse algum peso sobre as causas sociais do crime. Já para a comunidade o conceito e o racional por trás dos programas parecia-lhes bastante intuitivo e fácil de entender, pelo que não levantava grandes críticas.
De um momento para o outro tinha-se encontrado uma solução rápida, barata e eficaz no controlo do crime, era a panaceia para o problema da delinquência juvenil.
Os programas começaram a espalhar-se pelo mundo e passaram a ser implementadas e testadas diferentes versões destes programas no Reino Unido, com visitas regulares dos jovens à prisão, no Canadá, na Alemanha, com o objetivo de dissuadir jovens ligados a movimentos neo-nazis e até na Noruega nos anos 90 (Petrosino, Petrosino, Hollis-Peel & Lavenberg, 2013).
Mas se os programas se tornaram tão populares então é porque têm alguma evidência certo?
A verdade é que a evidência até à data tem insistido na falta de eficácia destes programas na prevenção do crime.
Numa meta-análise realizada em 2013, Petrosino et al. selecionaram os estudos metodologicamente mais fortes que procuraram testar estes programas e verificaram que os programas não só não tinham efeitos positivos, como tinham um efeito negativo significativo. Ou seja, os programas em vez de reduzirem a delinquência estavam a contribuir para o seu aumento. Apesar das dificuldades associadas ao facto de alguns estudos possuírem amostras pequenas e risco de enviesamento, os autores verificaram que os tamanhos de efeito ainda se mantinham quando examinados estes fatores, o que indica a robustez dos resultados.

Mas porque é que acontecia este aumento? Uma das hipóteses colocada foi que eventuais efeitos positivos estariam a ser minados pela interação que tende a acontecer entre jovens delinquentes durante estes programas, que acabam por exercer mutuamente a sua influência.
Numa meta-análise mais recente van der Put, Boekhout van Solinge, Stams, Hoeve & Assink (2020) procuraram atualizar a meta-análise de Petrosino et al. (2013) e perceber se havia diferenças nos resultados consoante as componentes envolvidas nos programas e a estratégia utilizada, algo que até então ainda não tinha sido feito rigorosamente.
Novamente, os autores verificaram a ausência de um efeito significativo. Além disso, nenhuma das características e componentes associadas às intervenções moderaram este efeito, ou seja, não importa se estratégia é mais confrontacional ou mais educacional, de qualquer forma não se verificam resultados positivos ao nível da prevenção do crime. No entanto, os autores verificaram um efeito positivo baixo a moderado numa série de atitudes em relação ao crime e à punição. Obviamente que estes resultados têm de ser interpretados com cautela uma vez que se baseiam em questões de autorrelato, sendo que Petrosino et al. (2013) apenas se basearam em registos oficiais.

Uma das principais limitações destas meta-análises é o facto de os estudos incluídos serem já bastante antigos (todos com mais de 25 anos), talvez por se ter concluído que efetivamente estes programas não trazem benefícios ou simplesmente porque quem adota este tipo de programas não tem interesse em os avaliar, sendo necessário, uma vez que o seu uso ainda acontece, mais estudos experimentais por forma a consolidar estes resultados.
Em termos económicos também se concluiu que os programas não são benéficos. Aos, Miller & Drake (2006) verificaram que embora o custo por participante se situasse apenas nos 50 dólares, estes programas provocavam um prejuízo de 14 667 dólares por participante após o cálculo dos custos associados aos crimes cometidos pelos jovens envolvidos nos programas.
Mas se não são eficazes porque é que ainda se utilizam?
Numa entrevista para a VICE, Anthony Petrosino explica:
"There's a lot of interest in a low-cost panacea. Jurisdictions that want [scared straight] aren't getting federal money for it, but it's so cheap to implement that doing it on their own dime isn't discouraging them at all. It also has a "common sense" appeal: A lot of people believe that if you get tougher with kids in particular, but also with adults, that you're going to deter them. The evidence (...) fits with these common-sense notions. In some jurisdictions, community support can be strong due to particular examples, like one kid being turned around. There'll be people such as parents, ministers, concerned siblings who call me and say, "Hey I brought a kid to scared straight and they turned around." That's great! There are kids who'll be helped by any intervention. (...)The question for policymakers is, does the program help more kids than it hurts?"
Conclusão:
Em 2011 passou a ser emitido nos EUA uma nova série no canal A&E chamada "Beyond Scared Straight" (que também passou em Portugal), mas que entretanto acabou por ser cancelada devido às críticas sobretudo da comunidade académica. Isto acabou por levar a uma reação do realizador da série e do documentário original, Arnold Shapiro, que numa entrevista em 2015 dizia:
“If these programs weren’t working and were hurting kids, why would judges, and police officers, and teachers, and school counselors, why would they keep sending kids to these programs month after month after month, and year after year, if they were not seeing positive results?”

Para além das questões éticas relacionadas com estes programas, a resposta a Shapiro é muito clara e objetiva. Porque esses juízes, polícias, professores e conselheiros escolares não estão interessados em políticas baseadas na evidência. Não estão preocupados em prevenir eficazmente o crime, mas sim preocupados em controlar custos e implementar políticas que deem a sensação de que algo está a ser feito. Alguns exemplos de sucesso funcionam de suporte, ignorando por completo o facto de que alguns miúdos são tão delinquentes que irão melhorar minimamente com qualquer tipo de intervenção. Como são programas tão intuitivos e baratos dificilmente irão encontrar resistência por parte da comunidade e por isso consideram que não se perde nada em tentar.
Isto deixa duas coisas muito claras. Há uma enorme dificuldade da comunidade e do poder político em reconhecer a importância da ciência na definição e implementação de políticas. No entanto, há também uma necessidade cada vez maior de o protagonismo ser dado aos investigadores, que devem também fazer um melhor trabalho em explicar de forma clara e simples o porquê de os programas não funcionarem. É preciso descomplicar a ciência, torná-la acessível a todos e dar a entender que não é por ter resultado com A, B e C que se deve aplicar a todos. Porque caso contrário estaremos a correr o risco de, inconscientemente, fazer mais mal, que bem.
Referências Bibliográficas:
Aos, S., Miller, M. & Drake. E. (2006) 'Evidence-Based Public Policy Options to Reduce Future Prison Construction, Criminal Justice Costs, and Crime Rates', Olympia: Washington State Institute for Public Policy.
Finckenauer, J. O. (1982). Scared straight! and the panacea phenomenon (pp. 257-257). Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.
Petrosino, A., Turpin‐Petrosino, C., Hollis‐Peel, M. E., & Lavenberg, J. G. (2013). 'Scared Straight'and other juvenile awareness programs for preventing juvenile delinquency. Cochrane database of systematic reviews, (4).
https://www.thedailybeast.com/beyond-scared-straights-real-life-controversy
van der Put, C. E., Boekhout van Solinge, N. F., Stams, G. J., Hoeve, M., & Assink, M. (2020). Effects of awareness programs on juvenile delinquency: a three-level meta-analysis. International journal of offender therapy and comparative criminology, 0306624X20909239.
https://www.vice.com/en/article/kwxxba/why-scaring-kids-out-of-committing-crimes-doesnt-work-1105
Parece que está na altura de certos canais televisivos mudarem de programação.